sábado, 14 de novembro de 2015

O Trairy Club - Rosemilton Silva




Não me recordo bem do ano da inauguração, mas sei que foi após 1958, ano de seca braba, de arrepiar ao ouvir o canto do Carão. O Trairy Club foi construído com a colaboração de todos da cidade, alguns doaram mais outros menos, mas todos ou quase todos, deram garrafas secas para serem vendidas,  outros fizeram doações em dinheiro comprando título de sócios.
Não tenho a menor ideia da data de inauguração mas até hoje está viva na memória a festa popular para recompensar aqueles que não podiam ir ao clube por não serem sócios ou não terem dinheiro para comprar uma mesa.
Era uma orquestra espetacular denominada “Marimba alma latina”, mas como ando perdendo parte da memória não me lembro de onde era também mas sei que  até hoje, mesmo reduzida, ainda existe e toca. A impressão que me deixa é que seria uruguaia.
Bom, o fato é que por volta das oito horas da noite, as portas de um dos armazéns da Eloi de Souza*, depois do riacho das Craibeiras no rumo de quem sobe na direção da hoje Praça da Bíblia, foram abertas e pulei pra chegar pertinho do palco. É que já segurava umas baquetas com vontade de me arriscar na bateria.
Como eu, muita gente ficou encantada com aquela maravilha musical. A marimba, para quem não sabe, é uma espécie de piano que se toca com baquetas apropriadas. Tem um som belo e que ainda hoje pode ser ouvido em países da América do Sul como Uruguai, Peru, Paraguai entre outros.
Eu ali, abestalhado com o malabarismo do baterista mas sem perder a beleza dos sons de toda a orquestra. Era a primeira vez que via uma orquestra de perto. Estava acostumado a ouvi-las no rádio com aquele som fanhoso e sem muita qualidade. Até mesmo a meninada, acostumada a perturbar qualquer ambiente nem se mexia. Foi uma noite esplendorosa.  Consegui com meu pai – nesse tempo a gente tinha que pedir, tomar a bênção, ter respeito etc e tal – a permissão para ficar do lado de fora do clube – eu só vim a entrar nele quando fiz parte do primeiro conjunto musical e da banda que tocava o carnaval – ouvindo aquele som maravilhoso e a festa animada.
Por entre aqueles pergolados podia ver a orquestra, as pessoas deslizando no salão encerado, a geladeira de madeira, algumas mesas com uísque, cerveja. Fiquei até por volta da meia noite quando Mané da Viúva veio me buscar a mando de dona Rosa. Houve outros bailes, outras belas orquestras mas lembro que uma das mais frequentes era a que acompanhava Bienvenido Granda porque esteve mais de uma vez na cidade. Raul de Barros, Tabajaras entre outros.

Hoje, quando estou em frente ao velho clube, estes filmes me passam pela cabeça e me vem a lembrança dos velhos e bons tempos vividos na poeira do chão que todos nós aprendemos a amar.


NOTA DE RODAPÉ: *As pessoas que de uma forma ou outra não puderam ir ao baile oficial de abertura das portas do sodalício - a palavra é antiga mas é boa -, tiveram a oportunidade de assistir ao show em um dos armazéns dessa rua.
Pois bem, os promotores da festa conseguiram abrir as portas de um dos armazéns do lado direito de quem olhando na direção do poente, onde não me lembro se Miguel Farias ou a Usina Nóbrega e Dantas guardava o algodão comprado no período da colheita. Pra quem não se lembra ou não conheceu, aquele armazém tinha uma parte das mais alta no fundo que serviu de palco e havia outros antes dele que se completavam com mais outros a partir da esquina da frente da casa de Cosme Ferreira Marques, no riacho das Craibeiras, na hoje avenida Rio Branco.
De modo que, as pessoas que não foram ao clube tiveram a oportunidade de se deliciar com um show antes da festa no clube, gratuitamente, me parece que como forma de agradecer a participação de todos na construção do prédio.

4 comentários:

  1. Texto excelente! Li-o para mamãe, pois ela é uma das moradoras mais antigas da Rua Elói de Souza (de 1946 a 2015),e ela se lembrou dos armazéns e chorou muito de saudades! Parabéns ao grande mestre! Continue a nos brindar com a sua literatura!

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    1. Nailson ele me lembro muito bem de onde sua mãe morou e mora. Obrigado pelo eterno incentivo e pelo que você também tem feito pelo resgate da nossa memória, juntamente com Chagas.

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    2. Grande mestre, Rosemilton, somos , eu, vc, Chagas e tantos outros eternos apaixonados pela arte literária e por nossa querida cidade!

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  2. Parabéns, Rosemilton, por resgatar tão bem momentos de nossa história local. Vc, Nailson e Chagas Lourenço têm feito isto com maestria.

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